quinta-feira, março 31, 2005

EU

Chamei sangue a este mar que me corre nas veias e terra a esta carne que me cobre os ossos, sou homem dividido entre o chamamento desse infinito azul de quem herdei a melancolia do olhar e a alma revoltada num género de mar em dia de tempestade... Mas a terra, a boa e velha terra... é um porto seguro, que não me deixa partir, o sítio onde tenho as minhas raízes, a compreensão de tudo o que de mais fundo e primário há em todo o meu ser.

A duvida, o ir e o ficar, a calmaria de uma terra ou a revolta e força de uma tempestade no mar? A resposta é minha, a duvida também. Partir ficar... ganhar asas e voar, partir... ou ganhar asas e ficar, fazer desta terra o meu lar, esquecer o azul do mar... correr o risco de ser um dia velho sentado na praia com o rosto queimado pelo Sol e rugas fundas como terra lavrada e o olhar perdido no horizonte a pensar, a sonhar, a recordar memórias que não foram... correr esse risco... será que vale a pena? O sentimento de partir é forte mas tenho também a duvida, e se partir e nunca chegar a lado nenhum? se o mar não for casa nem destino? se o mar for sempre ponto de partida e nunca ponto de chegada? se partir e hoje a minha casa, a minha terra o não for mais? Sou homem, sou feito de sangue e de carne... a duvida... como viver quando a nossa essência nos puxa em sentidos opostos, o que fazer quando não somos um, quando somos mais do que um, quando somos mais do que a soma dos factores? O que fazer? O que ser? Para onde partir, onde chegar?

JAlvim

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Quase…
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Mário de Sá-Carneiro

12:41 da tarde  

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