domingo, outubro 23, 2005

Orçamento do óbvio



A obsessão de Portugal em relação ao défice é um dos maiores entraves à recuperação das nossas contas públicas. Qualquer governante, político, economista, empresário, ou cidadão comum, vê no défice o maior e o mais incontornável dos obstáculos ao progresso e desenvolvimento do país. Momentos há, até, em que o défice parece ser o nosso único problema. Um bocado como a droga está para um viciado – mete-se na droga para passar a ter apenas um problema. E isso é errado.

As várias tentativas de solução “do problema de Portugal”, têm sido, até aqui, o rigor, a contenção, o aumento de impostos e a difamação geral dos funcionários públicos, militares, etc. Têm sido estas as linhas que têm cosido o rumo da nação. Quanto à estratégia: poupar, poupar, poupar. Que é o mesmo que dizer que de estratégia, não há coisa nenhuma.

Um dos danos mais óbvios da dimensão que é dada à questão do défice – que é de facto fundamental, mas não total – é a dificuldade com que hoje se governa o país. Em cinco anos Guterres, Durão e Santana sentiram bem a fúria do “furacão défice”. A depressão alastra impunemente e Portugal continua sem visão, sem estratégia.

O Orçamento do Estado apresentado esta semana pelo Ministro das Finanças é um espelho do atavismo e da ausência de estratégia de Portugal. O Partido Socialista, que dizia em voz alta, com Jorge Sampaio, que havia “vida para além do défice”, parece agora concordar com as medidas e o estilo de Manuela Ferreira Leite, que tanto criticou.

Este Orçamento é o Orçamento do óbvio. Toda a gente sabe que é preciso cortar nos gastos e que temos que poupar, poupar, poupar. Agora o que não se percebe é o que se irá fazer, à parte de cortar, em relação à estratégia de Portugal nos campos da Economia, Agricultura, Defesa, Saúde, Educação, etc… Como já é hábito, nada. Apenas resolução de problemas e medidas pontuais. De estratégia, nem sombra.

A introdução do inglês no ensino primário é sintomática da ausência de estratégia. Sem ter em conta argumentos favoráveis ou desfavoráveis – quero deixar claro que concordo com a medida, não é isso que está em causa – gostaríamos então de ver o nosso Primeiro Ministro, ou a Ministra da Educação, explicar-nos então onde se insere o ensino do inglês na nossa estratégia global para a educação. Talvez a resposta seja “que é um sinal das intenções do Governo para não sei quê”, ou “que a modernização passa por um ‘choque de inglês para todos’ não sei que mais”. Mas de estratégia, nada. Foi das medidas mais badaladas da campanha PS – pasme-se! – mas nunca ninguém disse ao país qual é afinal o papel do ensino do inglês na estratégia… Ora isto acontece porque quem pensou nesta “inovação” nunca pensou numa estratégia.

Mas Portugal segue o seu caminho. Para os Governantes tem sido prática comum guiar o rumo do país pelo “cheiro”, pela intuição, ou pelo óbvio: poupar, poupar, poupar. O que o país precisa é de estratégia, não para um partido, uma facção ou uma classe, mas uma estratégia para Portugal. Não é óbvio?
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