quarta-feira, junho 15, 2005

A autoridade



ANTÓNIO COSTA, sub-director
Diário Económico, 14 de Junho de 2005

«O governador do Banco de Portugal é um economista reputado e uma reserva a que a nação de esquerda e de direita vai recorrendo para ouvir em momentos difíceis. Vítor Constâncio revelou a capacidade técnica e a coragem política de antecipar crises e os caminhos errados dos sucessivos governos. Criticou quando foi necessário e apoiou quando tal se revelava útil. Foi este distanciamento gerido com pinças, no momento certo e na dose necessária, que garantiu a Vítor Constâncio a autoridade que todos lhe reconheciam. Até hoje.
A decisão do Governo de nomear uma nova comissão liderada por Vítor Constâncio, na tentativa de repetir o modelo seguido em 2002 por Durão Barroso, foi um erro político, só explicável para garantir o apoio a medidas difíceis e necessárias, entretanto anunciadas. As duas situações não têm paralelo: o Eurostat chumbou o défice de 1,1% de 2001, o que não sucedeu agora; depois, já se sabia que o défice público de 2005 seria na ordem dos 5,5% do PIB, se não fossem tidas em conta as receitas extraordinárias, o que não sucedia em 2001.
O próprio Governo percebeu o erro, reforçado no quadro da própria revisão do PEC. Sócrates deu o salto em frente e pediu a Constâncio que se pronunciasse apenas sobre 2005. Os problemas começam aqui. Em 2002, a Comissão Constâncio reviu o que estava para trás. Em 2005, quis antecipar o que poderia suceder à frente.
Constâncio bem se esforça por repetir que a estimativa de défice de 6,83% do PIB para este ano não era uma previsão incondicional, antes uma antecipação do saldo em Dezembro próximo caso nada fosse feito. Mas o governador sabe melhor do que ninguém que esse número foi vendido aos portugueses como o défice deixado pelo anterior Governo. Ora, aqui, Constâncio está no limiar da política e, por isso, independentemente das fragilidades do OE/2005, fica exposto às críticas e ao confronto com o anterior ministro das Finanças. No campo estritamente político, Bagão Félix ganha aos pontos.
Sejamos claros: o orçamento para este ano revelou apenas preocupações eleitorais. A situação económica e orçamental exigia as medidas que estão agora em curso e não a descida de IRS, como foi aprovada no OE/2005. É, assim, um orçamento de fantasia.
Por isso, o governador tem razão quando insiste na necessidade de introdução de reformas institucionais que alterem as regras de elaboração e discussão dos orçamentos, por forma a garantir rigor e transparência e a discussão das opções políticas e não a consistência dos pressupostos técnicos. Contudo, Vítor Constâncio aceitou ir mais longe. Arriscou a sua independência e autoridade moral. Sem benefícios, para si, para a instituição que dirige e para o país.»
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