quinta-feira, janeiro 06, 2005

Fazes-me Falta

Faz hoje dois anos que voltei ao trabalho depois de 15 dias de férias no Brasil. Lembro-me que tudo foi em grande, nada faltou. Uma viagem em família e com uns amigos. Sabem como é, passar o Natal e a passagem de ano no Brasil, um cliché é certo mas no entanto não deixa de ser óptimo.

Mas, como dizia no inicio, faz hoje dois anos que voltei ao trabalho depois das férias, lembro-me que eram perto das 5 da tarde e me tinha acabado de sentar na cadeira, pronto para dar no duro e voltar aos meus telefonemas como os vereadores da cultura de diferentes câmaras. Ia ser um dia calmo e pacato, isto porque apesar da minha grande falta de organização, tinha deixado quase todo o trabalho feito antes de partir. Mas não, este ia ser um dia que me iria marcar para sempre.

Tinha acabado de fazer a marcação de um número quando a minha chefe entrou no gabinete. Ela que sempre fora alegre, extrovertida, com uma gargalhada vibrante entrou-me no gabinete num tom pacato e calmo, sem as habituais gargalhadas de boa disposição. Trazia na cara um sorriso, um sorriso daqueles de tristeza de quem não sofre mas vai fazer sofrer, um sorriso triste de quem afinal sofre mas sofre por correspondência, por simpatia. Era esse o sorriso que trazia.

Lembro-me tão bem, como se tivesse acabado de acontecer agora mesmo,
disse-me num tom meigo “ João, o teu avô sentiu-se mal hoje à tarde e teve que ir para o hospital... João, o teu avó morreu” Hoje, enquanto escrevo estas palavras vêm-me à memória todas as coisas que me passaram pela cabeça nessa altura... Primeiro a negação, não, o meu avô não pode morrer, depois a tristeza e a revolta. Lembro-me que as lágrimas me caíram pela cara a baixo sem que eu desse por isso, lembro-me que o sol se punha e eu, em silencio não percebia nada mas deixava que as lágrimas me caíssem pela cara.

Na altura a angustia foi grande, o sentimento de perca foi enorme, uma raiva doida por tudo não poder ser certo e calmo. Ninguém vê partir alguém de quem gosta muito depois de umas férias de sonho. Simplesmente não acontece, não está certo, mas estava, ainda bem que estava porque se assim não tivesse sido nunca teria ido a casa dos meus avós no dia antes... mas fui e a verdade é que tive a sorte de me despedir dele com calma, tive a sorte de puder desfrutar da sua companhia pela última vez.

Sou uma pessoa de sorte, agra que penso sobre o assunto, fui o primeiro neto, o primeiro neto que fez dele o avô João Pedro, o primeiro neto que lhe deu a primeira alegria enquanto avô e fruto das voltas que a vida dá fui o último que me despedi dele. Estranho mas é verdade, fui o ultimo neto a dizer-lhe adeus.

Hoje, dia em que faz dois anos que o meu avô morreu já não sinto tão grande revolta por me ter deixado, por ter partido. A dor, essa acho que nunca passa, está sempre cá como um espinho na carne, dói mas aos poucos passa a fazer parte de nós, passa de objecto estranho para algo que é nosso. Hoje, o que sinto verdadeiramente é a saudade, a saudade de um avô que não falava muito mas que sorria e que quando ninguém via fumava os seus cigarros, o avô que embora não fosse muito dado às pescas vinha pescar comigo para o rio, o avô que nas noites frias das beiras me lia histórias fantásticas de terror e de suspanse, o avô que me ensaiou a jogar bilhar na mesa lá da quinta, a mesma mesa que não quero ver arranjada porque me faz lembrar como era divertido, já na altura, ver como as bolas faziam efeitos estranhos quando batiam nas tabelas porque estas estavam estragadas, o homem que nesse dias de divertimento me dava, sem eu saber, as primeiras lições de vida não por palavras mas por actos. Ensinava-me a mim com tanto afinco como ensinava o filho da mulher a dias e não fazia destrinça entre nós.

Hoje, enquanto escrevo esta minhas palavras e tento na minha estranha forma de ser, que herdei em parte dele, dizer-lhe que me faz falta. Mais do que todo o resto fazes-me falta

JAlvim

5 Comments:

Blogger O Reformista said...

Gostei
Um abraço
António Alvim

8:51 da tarde  
Blogger Afonso Vaz Pinto said...

Grande abraço João.

9:14 da tarde  
Blogger Nico said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

9:51 da tarde  
Blogger Afonso Vaz Pinto said...

Não tinha ainda tido tempo de escrever com calma algumas palavras neste blog. Os dias vão-se passando, as horas consomem-se, e o que é certo é que algumas coisas vão ficando para trás. Mas agora que me sento à frente do teclado queria, antes de mais, dizer mais algumas palavras ao João.
Já te tinha mandado um abraço noutro comentário mas achei (porque voltei a ler este teu texto com mais calma) que te devia dizer que me tocou muito. Escreveste com o coração. E é à vontade que te digo, conhecendo bem os "contornos" desta "história" (que é a tua), que foi dos melhores textos que até hoje li. Obrigado João.
Abraço.

10:24 da tarde  
Blogger Nico said...

João sem querer e ainda sem perceber muito bem como isto funciona apaguei o meu comentário ao teu texto. Gostei mesmo muito do que escreveste. Tás a ir bem velhinho Alvim! Forte Abraço

11:08 da tarde  

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