terça-feira, janeiro 04, 2005

O Último Voo do Flamingo


Fonte: http://bornova.ege.edu.tr

Acabei de ler à pouco mais de uma semana um livro extraordinário que dá pelo nome de “o último voo do flamingo”. Escrito por Mia Couto, é sem duvida um livro extraordinário, dos melhores que tenho lido nos últimos tempos e, vão me permitir a ousadia de dizer que, provavelmente este é o melhor livro o que o autor escreveu até ao momento.

Sempre que li um dos anteriores livros de Mia Couto senti que este escrevia sempre sobre uma terra que já não existia e que passou, acho mesmo que Mia Couto escrevia não sobre o Moçambique que existe ou existiu mas antes sobre o seu Moçambique idealizado, aquilo que ele gostava que fosse ou pelo menos que tivesse sido aquela terra.

Nos livros anteriores, ainda que os traços da cultura e da terra lá estivessem, as personagens não tinham rosto, eu não lhes conseguia dar o rosto das pessoas que conheci e que encontrei em Moçambique. Esses livros eram sem duvida histórias fascinantes que me fizeram sonhar e imaginar também um pouco desse Moçambique tão extraordinário, com uma cultura tão própria e tão misteriosa, uma terra em que o sonho é tão verdadeiro como a realidade e em que os mortos vivem mais do que os vivos. Ainda assim, essa leitura não me dava o quadro autentico, dava-me uma imagem rude, desfocada e no entanto mais bonita do que o quadro verdadeiro. Os anteriores livros e Mia Couto tiveram em mim um efeito pedagógico, o de me fazer ver e reparar em todas as tradições e rituais do povo moçambicano.

Não quero com o comentário anterior tirar o mérito aos outros livros de Mia Couto, queria antes enaltecer este “último voo do flamingo”, é que é de tal maneira bem escrito que as personagens não são meras personagens, são pessoas, pessoas verdadeiras de carne e osso que conheci, têm rosto, sentimentos, são verdadeiras. O governador tão bem descrito, não podia ser um retracto mais fiel dos governadores que encontrei, a personagem principal, tão igual a tantas pessoas que conheci por lá, sempre prontas a ajudar e a mostrar com orgulho a sua terra, ainda que com os velhos a abanar a cabeça e a dizer que os jovens já não têm respeito pelas tradições etc... Até eu me revi na pessoa do investigador, perdido em Moçambique, apaixonado por tudo quanto vê mas sem conseguir perceber bem... Tudo é grande demais, maior do que nós, tudo nos ultrapassa na nossa capacidade de perceber o que nos rodeia e no entanto, quando olhamos com atenção e tentamos ser objectivos, vimos que esse tudo não é mais do que um nada misturado com um pouco de coisa nenhuma, fazendo com que nós próprios queiramos com fazer parte de tudo o que é esse nada.

Em suma e em jeito de conclusão, não posso deixar de referir que este livro tem ainda outra grande virtude na mensagem, a de nos mostrar no que se vai transformando Moçambique, o caminho que está a tomar. É um alerta, um grito de chamada de atenção de quem ama aquela terra com toda a força que possui, com tudo o que é. Um pedido de ajuda para salvar Moçambique e evitar a queda no abismo. Depois de ler este livro fiquei com a ideia nitida de que ainda falta cumprir-se Moçambique e que o temos que ajuda a ser. Como a personagem principal tão bem nos mostra, há tanta gente a desconseguir e a desarranjar esse país que só as almas que dele nada querem o podem ajudar.

Recomendo vivamente este livro a quem já esteve por lá e tem saudades bem como a quem quer conhecer um pouco mais sobre o verdadeiro Moçambique, é que tudo neste livro é tão real que ainda sinto na boca o sabor da sua terra e no nariz o cheiro do seu ar, misturado, como não podia deixar de ser, com um pouco de misticismo, tão real por lá e tão esquecido por cá...

JAlvim



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