A falsa História
fonte: www.syracuse.com
Então tomem lá um belo texto que o João César das Neves escreveu no Diário de Notícias de hoje na habitual crónica "Não há almoços grátis". Recomendo-o especialmente ao Francisco Salvação Barreto porque ele está a ler o livro de E. P. Sanders. Abraço
"Dois dos livros mais oferecidos neste Natal foram O Código da Vinci de Dan Brown (Bertrand, 2004) e A Verdadeira História de Jesus de E. P. Sanders (Notícias, 2004). Nas suas diferenças, incluem uma oculta característica curiosa a própria base de raciocínio destrói-lhes a veracidade.
Ambos partem do princípio de que os Evangelhos são falsos. A razão, que repetem sucessivamente, é que os textos bíblicos foram escritos por fiéis várias décadas após os acontecimentos, o que lhes retira credibilidade. Mas eles, escrevendo dois mil anos mais tarde com base em crenças modernas, é que julgam relatar com segurança «a verdadeira História» do que aconteceu. Seria ridículo, se não fosse triste, pois os dois, mas sobretudo o teólogo Sanders, têm pretensões científicas.
O que não dizem é que neste campo essa abordagem pouco ou nada tem a ver com a solidez da Física ou até da História.
Eles não conseguem provas científicas, em qualquer dos sentidos, das palavras «provas» e «científicas». Existe investigação séria e factos prováveis, mas depois combinados em especulações e construções hipotéticas que, mesmo quando escoradas em argumentos respeitáveis, não têm qualquer garantia da certeza de outros ramos intelectuais.
Nesta disciplina o trabalho de cada investigador é construir uma teoria para compatibilizar os dados disponíveis da forma mais plausível. Nas lacunas ou contradições, esquecem uns, empolam outros. Por isso há tantas. Se a sua doutrina convencer os colegas, a tese ganha chancela de «resultado científico». Mas no tribunal da História, como nos outros, a principal fonte válida é a afirmação das testemunhas. «Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o seu testemunho é verdadeiro» (Jo 19, 35). Desprezando isso, para mais a milénios de distância, perde-se a verdade e entra-se na ficção.
Estas teorias sofisticadas têm fatalmente de ser quase só fantasia.
Isso vê-se bem quando é descoberto um novo elemento objectivo, normalmente em escavações arqueológicas, e vários «resultados científicos» voam em estilhas, mostrando que as suas certezas seguras tinham mais de certezas que de seguras.
A data dos Evangelhos, por exemplo, ainda há pouco considerada muito tardia, tem vindo a ser aproximada do tempo de Jesus à força de achados da arqueologia.
Além disso, a questão aqui não é histórica. O que nos interessa na personagem de Jesus é saber se fez milagres, se ressuscitou dos mortos, se é filho de Deus. Qual a escavação, análise textual ou experiência laboratorial que permite a certeza quanto a isto? A ciência, por definição, não entra nestes campos, como na determinação do melhor bolo-rei ou do vencedor das eleições. Aduzir resultados científicos nestas matérias é arrogância tonta.Os dois livros são pois manifestos religiosos sob capa objectiva.
O Código da Vinci não esconde crenças gnóstico-esotéricas.
A Verdadeira História oculta uma fé cientifista. A hipótese de partida é que há um Jesus histórico, que não interessa se é Deus ou ressucitou. A sua «verdadeira História» é mundana e separável de questões espirituais e sectárias. Pode separar-se Mozart da sua música? O Marx histórico não é revolucionário?Isto, além de ser mera convicção de fé materialista (onde está a prova?), mostra uma tacanhez de espírito nada científica. Estar fechado a outras possibilidades foi sempre o maior obstáculo à descoberta da verdade".
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